Uns acreditam por medo, a maioria, talvez; outros dizem abertamente que não acreditam no acaso e que a vida não pode acabar com um simples escorregão na beira da piscina ou dias depois da mordidinha de um mosquito. Portanto, tem que existir.
Entre os que acreditam há os que se revoltam contra aqueles que não acreditam. Chegaram a me perguntar: “Por que? Que provas você tem para não acreditar?” Veja que absurdo, é quase o mesmo que exigir de um inocente que ele prove que não cometeu o crime.
Algumas convicções beiravam o cinismo (sem preconceitos contra os cínicos, eu mesmo me considero um dos bons). Foi o caso de uma senhora, bem velhinha, amiga de minha mãe: “Você não acredita, meu filho? Olhe lá, nunca se sabe o dia de amanhã...”. Só faltou piscar o olho e confessar: “Eu também tenho minhas dúvidas, mas não as revelo a ninguém, tem muita maldade nesse mundo.”
Tem muita maldade nesse mundo, por isso tem de haver uma força do bem, poderosa e invencível, será que essa é a lógica da maioria?
“Faz o seguinte: embarca num monomotor em Manaus, depois de uns quarenta minutos sobrevoando aquele oceano vegetal, o motor começa a gaguejar, você fecha os olhos e … aí é que eu quero ver essa dúvida de intelectualzinho saltar de paraquedas”, isso ninguém me disse cara a cara, estava escrito no cartão postal com a vista aérea da floresta amazônica. Quem mandou o cartão? Sei lá… Um tal de Agostinho Santos, nome falso, é claro, acho que não era Agostinho, muito menos Santo, mas o que ele (ou ela) escreveu fazia sentido, na hora do pega-pra-capar porco dá cambalhota no terreiro.
Quanto de nossas preocupações decorre de problemas alheios, que não podemos resolver, porque não são nossos, nem tampouco ignorá-los, porque também nos afligem?
A razão tem suas forças, que costumam perder com frequência a razão de tudo. Não era pra terminar assim, mas se me dessem o direito de fazer uma única pergunta, acho que diria, apontando para uma enorme pilha de dinheiro: “Como o nada e tudo isso podem ser a mesma coisa?”
(Outro dia assisti a uma conversa que envolvia gente da ciência, não guardei o nome de ninguém. Lembro que um deles disse que estava reconsiderando sua posição de ateu porque a+teu significa negar a existência de deus e a ciência não pode provar sua inexistência. Fiquei pensando que o cientista deveria levar em conta que a base do ateísmo e do agnosticismo é não aceitar o dogma religioso que tem por princípio a incontestável existência de deus. Nada contra aqueles que acreditam, mas, como disse Santo Agostinho em meados do Séc. IV DC, jamais será possível provar a existência de deus através da razão. Somente pela revelação, ou iluminação, alcança-se a fé. A vida está cheia de dúvidas que são propostas pelo conhecimento humano, e não será esse conhecimento quem irá resolvê-las. Por falar em ciência, não foi graças à fé que a maçã caiu na cabeça de Isaac Newton)
sábado, 22 de agosto de 2015
Tempos Bicudos
Quando alguém procura combater o individualismo, o consumismo, o pragmatismo, a solução é sempre individual, como a meditação e a renúncia ao poder e à riqueza. O coletivo continua fatiado e silencioso, individualizado. Na teoria, ninguém é contra a liberdade individual, mas como ser a favor da liberdade coletiva? Como desmascarar a manipulação dos sempre muitos em favor dos interesses dos eternamente poucos? Ora, direis, a democracia... Aquela, do votinho na urna eletrônica de quatro em quatro anos? Não há saída? Então vamos dar com os burros n'água (enquanto água houver).
sábado, 16 de maio de 2015
Criadores e Criaturas
Nas relações interpessoais, sempre achamos que o Outro é a imagem que fazemos dele. Claro que não poderia ser de outra forma, a própria "realidade" não passa de uma sucessão de "realidades" que vamos assimilando ao longo da existência. O Outro muda; a realidade também. Nós, então... nem se fala.
A questão básica está no grau de confiança que projetamos nessa imagem que vem a se confundir com o Outro. É neste ponto que assumimos nosso papel de artífice, de criador, um segundo Deus, que, tal como o primeiro, certamente não erra. Criamos esse Outro, muitas vezes, à nossa imagem e semelhança. Não raro, inventamos qualidades, valores, virtudes que nada têm a ver com o que poderíamos chamar de "o Outro em si". Quem está só, julga encontrar a companhia "ideal": uma amizade sincera, a namorada fiel e apaixonada, o ombro amigo para todas as horas... Quando descobrimos que, infelizmente, o Outro não corresponde a tudo aquilo que nele projetamos, fazemos o quê? Culpamos o Outro! Nunca assumimos que o erro partiu da nossa pretensão de imitar algum Deus e sair por aí criando perfeições.
Voltamos à questão básica: a crença de que a perfeição é real e pode se materializar nas pessoas, objetos e fenômenos move todo esse universo de enganos e desenganos. Aprendemos desde criança que há um Deus e que ele é perfeito: onisciente, onipotente, onipresente. Quando tentamos imitá-lo, atribuímos a nós mesmos essas qualidades, sobretudo nas relações com nossos semelhantes: sabemos como eles são, temos poderes sobre eles (inclusive o de mudar, ou perdoar, pequenos defeitos que nos incomodam), estamos sempre presentes, quer eles queiram, quer não.
Para entender que as pessoas se transformam é preciso primeiro aceitar que elas não são aquilo que nós criamos. Pelo menos uma boa parte do Outro nos escapa, quando não o essencial.
Que tal inverter a premissa e concluir que nada, mas nada mesmo, é perfeito? Podemos dizer que nem a liberdade, depois de conquistada, é aquela que sonhamos. Mas, atenção! Convém não comparar a sua liberdade com a liberdade dos outros: nem tudo que você vê é aquilo que o outro tem.
Esse artigo ajudou você a entender melhor a confusa cabeça de alguém:
... SIM ... NÃO
A questão básica está no grau de confiança que projetamos nessa imagem que vem a se confundir com o Outro. É neste ponto que assumimos nosso papel de artífice, de criador, um segundo Deus, que, tal como o primeiro, certamente não erra. Criamos esse Outro, muitas vezes, à nossa imagem e semelhança. Não raro, inventamos qualidades, valores, virtudes que nada têm a ver com o que poderíamos chamar de "o Outro em si". Quem está só, julga encontrar a companhia "ideal": uma amizade sincera, a namorada fiel e apaixonada, o ombro amigo para todas as horas... Quando descobrimos que, infelizmente, o Outro não corresponde a tudo aquilo que nele projetamos, fazemos o quê? Culpamos o Outro! Nunca assumimos que o erro partiu da nossa pretensão de imitar algum Deus e sair por aí criando perfeições.
Voltamos à questão básica: a crença de que a perfeição é real e pode se materializar nas pessoas, objetos e fenômenos move todo esse universo de enganos e desenganos. Aprendemos desde criança que há um Deus e que ele é perfeito: onisciente, onipotente, onipresente. Quando tentamos imitá-lo, atribuímos a nós mesmos essas qualidades, sobretudo nas relações com nossos semelhantes: sabemos como eles são, temos poderes sobre eles (inclusive o de mudar, ou perdoar, pequenos defeitos que nos incomodam), estamos sempre presentes, quer eles queiram, quer não.
Para entender que as pessoas se transformam é preciso primeiro aceitar que elas não são aquilo que nós criamos. Pelo menos uma boa parte do Outro nos escapa, quando não o essencial.
Que tal inverter a premissa e concluir que nada, mas nada mesmo, é perfeito? Podemos dizer que nem a liberdade, depois de conquistada, é aquela que sonhamos. Mas, atenção! Convém não comparar a sua liberdade com a liberdade dos outros: nem tudo que você vê é aquilo que o outro tem.
Esse artigo ajudou você a entender melhor a confusa cabeça de alguém:
... SIM ... NÃO
terça-feira, 24 de setembro de 2013
domingo, 8 de setembro de 2013
Você acredita em destino?
Fn
Vivo
no mundo das ideias. Portanto, sou um platonista, embora não
platônico (não no sentido que deram ao termo ao longo dos séculos).
Por
quê?
Acredito
sinceramente que toda ideia, qualquer uma, quando começa a se
materializar, a se cristalizar, desenvolve anticorpos para se
defender de outras ideias, já materializadas, que tentam destruí-la.
Me
entendam: utopia, por exemplo, é algo perfeito enquanto ideia. Tente
materializá-la e vai ver a encrenca que está criando.
Tem
mais: as ideias não são plásticas, resilientes. Uma vez materializadas, jamais
poderão retornar ao estado anterior de pura ideia.
Viver
assim como eu vivo tem suas vantagens e desvantagens: se pensar em ficar rico, por exemplo, como é só pensamento, não posso usufruir do luxo, do poder que o dinheiro oferece, mas, em compensação, continuo pagando o mesmo imposto de renda que pago hoje, ou seja, nenhum. Além disso, não preciso de guarda-costas, não tenho que me reunir com gerentes de contas, nem pensar em taxas, retornos, cardápios sofisticados...
Posso pensar em ser justiceiro, mas como é só pensamento, não há crime, ninguém fica sabendo desta "pequena" falha de caráter. A contrapartida é que os ladrões continuam assaltando impunemente pessoas e cofres públicos, a crueldade brota das telas para o mundo real, mas a Justiça continua lá, meio lerda, incerta, em muitos casos ávida por "incentivos" e "agradecimentos".
Não me culpem se ando um pouco pessimista, lembrem-se que o estado de espírito também não passa de uma ideia.
Não sei avaliar se é bom ou se é ruim viver desse jeito, mas este cálculo deixo para os pragmáticos, que são muito bons de realidade, embora péssimos de ideias.
Posso pensar em ser justiceiro, mas como é só pensamento, não há crime, ninguém fica sabendo desta "pequena" falha de caráter. A contrapartida é que os ladrões continuam assaltando impunemente pessoas e cofres públicos, a crueldade brota das telas para o mundo real, mas a Justiça continua lá, meio lerda, incerta, em muitos casos ávida por "incentivos" e "agradecimentos".
Não me culpem se ando um pouco pessimista, lembrem-se que o estado de espírito também não passa de uma ideia.
Não sei avaliar se é bom ou se é ruim viver desse jeito, mas este cálculo deixo para os pragmáticos, que são muito bons de realidade, embora péssimos de ideias.
Sorte
minha? Azar o deles? É o destino... que, no fundo, todo mundo desconfia que existe, mas nem todos querem confessar.
sábado, 17 de agosto de 2013
quinta-feira, 18 de julho de 2013
Introdução à Moderna Crítica ao Pensamento Crítico
Tal
como existe o politicamente correto, também há o matematicamente
incorreto. Quer um exemplo? Dou-te dois:
1
- Sêneca está para Aristóteles assim como Nero está para
Alexandre.
2
- É impossível a divisão por zero, salvo em algumas partições e
repartições brasileiras.
Epílogo:
Haverá sempre pedras no meio do caminho; e dezenas, centenas,
milhares de autoajudantes a aconselhar que sigas pelos atalhos que a
vida te oferece. Ignore-os e darás com os burros n'água. Conclusão:
o saco de um homem deveria ser como a bolsa de uma grávida.
Estourou, tá estourado. E não há como voltar atrás. Concordas?
domingo, 2 de junho de 2013
Pingos da Noite
Fn
Todos
nós iremos um dia,
se
já não fomos.
O
que sobra, o que resta, o que vai ficar?
Filhos,
netos, bisnetos, a sua prole?
A
lembrança de quem amou?
Ou
os desenhos que fez, as músicas que compôs?
Pés
no chão?
Os
prédios que projetou, os tijolos que assentou,
o
dinheiro bem guardado, até que a morte vos separem.
Pensou
nisso?
Um
sorriso tem prazo de validade, qualquer sorriso.
Mas
ninguém gosta de lembrar.
Escrevo
por escrever,
sem
segundas intenções.
Mais
para ter certeza que de todos nós algo sobrará,
como
as patas de um dinossauro de museu.
Assim
mesmo, talvez.
Uma
promessa, um rosto perdido.
Sem
dialogar, cada um tem seu jeito de ser,
não
parece mas é,
um
jeito todo seu de sentir e de sonhar,
mesmo
quando alguns encostam outros na parede.
Pingos
da noite.
na
rua da praia,
o
vento fino empurra os ruídos de volta ao mar.
A
pedra que está na rocha não sabe quanto vale.
De
vez em quando bate uma saudade de tudo,
de
ir além quando já está.
Já
teve isso?
Ir
além sem se matar?
Escrevo
por escrever.
Para
entender um porquê
que
já não há.
domingo, 19 de maio de 2013
quinta-feira, 21 de março de 2013
A Pergunta da Semana
Aconteceu
no trânsito de uma cidade média. Um homem de seus trinta e tantos
anos dirigia um Corsa preto tranquilamente. Não percebeu que a
motorista do Gol branco, bem à sua frente, metera o pé no freio com
vontade, obedecendo ao sinal que acabara de amarelar. Resultado, o
sujeito não teve tempo de frear e bateu na traseira do Gol. O
prejuízo não foi lá essas coisas, mas a mulher, de seus vinte e
poucos anos, desceu do carro disposta a transformar a rua num ringue
de box tailandês, luta-livre, mma ou qualquer coisa semelhante.
Ofendeu a mãe do cara, fez pouco da sua masculinidade, denegriu,
xingou, chamou pra briga, usou palavrões homofóbicos, só não foi
racista porque o cara, felizmente para ele, era branco como ela. Fez tudo isso
apesar de o motorista do Corsa ter pedido mil desculpas, jurando que
pagaria ali mesmo o prejuízo.
Foi
nessa hora que um passante de idade avançada resolveu conversar com a
mulher. Pediu com educação que ela parasse com seus berros, que se
acalmasse, até porque o caso não era para tudo aquilo.
Aparentemente
a mulher concordou, apesar de seus olhares nada confiáveis. Abriu a
porta do Gol branco, entrou, mexeu no console, no porta-luvas e saiu com uma
pistolinha esmaltada, talvez uma 22, coisa mais linda, bem feminina.
Depois
de descarregar todo seu ódio na cara e no tórax do apaziguador,
voltou para o carro e fugiu, avançando o sinal vermelho profundo.
Que
conclusão devemos tirar da tragédia?
Melhor
resposta, escolhida por 79% dos votos:
"A
gente vai ajudar os outros e só se fode. Bem feito. Quem mandou o
velho se meter onde não foi chamado?"
sábado, 16 de março de 2013
O que há de errado em "eliminar a extrema pobreza"? NADA. A não ser quando está longe da realidade e iguala-se ao Fome Zero. Demagogia pura.
— Fn (@atebrreve) 16 de março de 2013
quinta-feira, 14 de março de 2013
JÁ FICOU NAS MÃOS DE ALGUÉM?
Fn
Dois
homens conversam no pátio de uma empresa, vamos chamá-los de A e B
para evitar mal-entendidos.
A:
- E aí? Trouxe meu carro?
B:
- Que carro?
A:
- Não brinca comigo... Tá com ele aqui, não tá? Cadê?
B:
- Não sei de que carro você tá falando.
A: -
Escuta, infeliz, não te dei uma grana pra você ir a Foz e pegar meu
carro? Trouxe ou não trouxe?
B:
- Ah, tá... Agora entendi. A resposta é: trouxe, mas não está
mais comigo.
A:
- Para de brincadeira, como assim não está mais com você?
B:
- Vou te explicar, aquele carro valia quanto? Uns cinquenta mil no
máximo, não é?
A:
- Acho que sim, mas e daí?
B: -
Daí que apareceu um amigo teu dizendo que dava 65, à vista, cara.
Mas eu tinha que entregar o carro a ele e pegar a grana, entendeu?
A:
- O quê???
B:
- Isso mesmo, 65 paus, na bucha. Na hora também fiquei assim meio
admirado.
A: -
Vai dizer que você...
B:
- Vendi teu carro, é claro. Oferta irrecusável. Você leva 60 e eu
fico com 5 de comissão, falou?
A: -
Você tá louco?! Quem mandou você vender uma propriedade minha? E
os documentos?
B: -
Ele falou que nem precisava de nada, que confiava em você, conhecia
tua família e tudo, bom sujeito.
A: -
Seu estúpido... Você sabe o que tinha dentro daquele carro?
B: -
Tava vazio, tinha nada, não.
A:
- Não é isso, idiota. Na carroceria, no fundo falso... Sabe o que
tinha?
B: -
Acho que não tinha nada, você não seria capaz de mandar um amigo
pegar um carro cheio de muamba, oculta nas portas, no fundo falso do
porta-malas, no teto, sei lá mais onde... Seria?
A:
- Cara, você não sabe com quem tá brincando. Tem gente grande por
trás dessa história.
B: -
Acho que você é que ainda não entendeu direito quem tá na mão de
quem. Pega logo a grana e não se fala mais nisso. 60 pra você, 5
pra mim, tá certo?
A: -
Tá certo é o caralho, o que é vou dizer aos homens?
B: -
Sei lá, fala que aquele teu amigo comprou o carro com tudo dentro.
A:
- Que amigo, porra? Como é o nome dele?
B: -
Ah, não sei, não perguntei. Mas ele disse que vai te procurar,
mandou lembranças pra tua mulher e tudo.
A:
- Eu tô perdido...
B: -
Tá nada, desde quando um cara com 60 paus na mão tá perdido nesse
país? Tua parte tá aqui, é pegar ou largar.
A:
- Porra, eu vou, eu vou...
B: -
Vai o quê? Se queixar ao bispo? Ou registrar um BO? Veja lá o que
você vai fazer...
terça-feira, 12 de fevereiro de 2013
Cotidiano, coitado... (Final)
- I -
Ambiente em penumbra, semi-escuridão. Mão feminina acende a luz da cozinha. Atrás dela entra um homem, os dois falam ao mesmo tempo: "Ah, não..."
A mulher completa: "...Zildinha foi embora e deixou essa pilha de louça pra gente lavar?"
Homem: "Isso é que é diarista"
Mulher: "Só lembrando: Zildinha vem três vezes por semana, de acordo com decisão do Tribunal do Trabalho, deixou de ser diarista para ser empregada fixa"
Homem: "Isso é que é empregada fixa... Deixa que eu lavo esta merda"
Mulher: "Se não falar palavrão é melhor. Pode deixar que eu lavo"
Homem: "Merda não é mais palavrão, tá até no dicionário do Euzébio"
Mulher: "Que Euzébio, porra?! É Aurélio, Au ré lio!
Homem: "Tá vendo? Errei o nome de propósito pra mostrar que você também fala palavrão, todo mundo fala..."
Mulher: "Posso saber que palavrão que eu falei?"
Homem: "Falou 'porra' Ou porra não é mais palavrão?"
Mulher: "Você não falou que merda não é mais palavrão? Então, porra também não é"
Homem: "Essa é boa... Até parece que você não sabe a diferença entre a merda da louça e a porra da empregada"
Mulher: "Não chama Zildinha de porra, mas se quiser chamar a louça de merda pode chamar, foi presente da sua mãe"
Homem: "Ah, é? Fique sabendo que você tem uma porra de uma merda de empregada"
Mulher: "Não fala assim, vai que ela ouve e resolve ir embora? A gente táfu, caraca..."
Homem: "Táfu é dos velhos tempos, significa 'tá fodido', não é? E caraca o que é senão...? Mais dois pra sua coleção de nomes exóticos. Ninguém "táfu" porque a empregada não tá mais aqui. Deixou a louça pra gente lavar, lembra? Caraca..."
Empregada entrando na cozinha: "Posso saber quem é que não tá mais aqui, seu Magalhães? Deixei tudo aí em cima da pia de propósito, só pra ver quem é que ia falar mal de mim"
Mulher: "Zildinha!!! Você viu que eu te defendi, não viu? Magalhães é que fica falando essas bobagens, liga não..."
Zildinha: "Defendeu, dona Doroty... Defendeu, sim, mas sem muita convicção. Acho que vou embora e deixar a louça de presente para os dois"
Magalhães: "Não faça isso, dona Zilda. Esquece, vai... Você sabe que Doroty tá com aquela dorzinha nas costas. Se for lavar a louça, grita a noite inteira"
Zildinha: "Eu já ouvi ela gritando a noite inteira, mas não foi de dor não, viu, seu Magalhães, conheço bem essas safadezas"
Doroty: "Quê isso, Zildinha? Olha o respeito, olha o respeito..."
Zildinha: "Desculpa, Dô. É que esse homem me provoca, me tira do sério"
Magalhães: "Só rindo, só rindo mesmo... Vou lá pra sala assistir ao programa político, hoje é o PLP"
Doroty: "Que PLP é esse, Magalhães?"
Magalhães: "Partido do Lava Pratos, bye-bye"
- II -
Doroty sentada no sofá da sala assiste a um programa da TV a cabo. Zildinha entra e pergunta:
Zildinha: "Dona Doroty, a senhora me empresta seu marido um pouquinho?"
Doroty: "Claro, Zildinha... Pode levar. Péra aí, o que é que você quer com o Magalhães? Posso saber?"
Zildinha: "Nossa, Dô... Né nada demais não. Só queria que ele trocasse uma lâmpada no quartinho dos fundos, eu não alcanço, mas seu Magalhães, aquele homão, dois metros de altura por um e cinquenta de largura..."
Doroty: "Chega, chega, chega... Você tá quase babando, menina. Magalhães chegou da rua ainda há pouco e tá no banho. Quando ele sair, eu peço pra te procurar lá no quartinho, mas vê lá, hein... vê lá...
Corta para cena no quartinho dos fundos. De roupão, Magalhães sobe num banquinho e tenta tirar a lâmpada queimada. Zildinha "ajuda" segurando as pernas do patrão.
Magalhães: "Zil, faz favor de tirar a mão daí... Tá me fazendo cócegas".
Zildinha: "Só tô querendo ajudar, segurando pra não cair. Vai que o senhor leva um escorregão..."
A mão de Zildinha sobe e Magalhẽs exclama:
Magalhães: "Tarada!"
Nesse momento, Doroty aparece na porta do quarto e pergunta:
Doroty: "Quem é tarada? Que história é essa?"
Magalhães: "Não é 'tarada', falei 'barata!!!"
Doroty: "Uuuuiiii... Barata? Onde, onde?"
Zildinha: "Calma, Dô... é barata no sentido de ganhar pouco, entendeu? Até seu Magalhães concorda que eu tô ganhando pouco mesmo e me prometeu um aumento, não foi?"
Zildinha belisca a coxa do patrão. Doroty reclama:
Doroty: "Tira a mão daí, Zildinha... Tá pensando que meu marido é bufet por quilo, que todo mundo pode dar uma beliscada?"
Magalhães dá uma sonora gargalhada, se desequilibra e cai do banquinho.
Zildinha: "Tá vendo... Enquanto eu segurava, a coisa tava firme, agora..."
- III -
Na sala do apartamento, Doroty está sentada no sofá folheando uma revista de fofocas com celebridades. Vê que a empregada passa em direção à cozinha e a chama:
Doroty: “Zildinha, vem cá que eu quero te perguntar uma coisa”.
Zildinha: “Pois não, dona Dô, o que a senhora deseja?”
Doroty: “Para com esse negócio de me chamar de dona Dô, eu não suporto isso, Zil”.
Zildinha: “Eu também não suporto que me chamem de Zil, e a senhora chama, seu Maga também.”
Doroty: “Magalhães sabe que você chama ele de Maga?”
Zildinha: “Sabe não. Eu não chamo na frente dele, só por trás”.
Doroty (baixinho em aparte): “Por trás, Magalhães gosta, então não sei...”
Zildinha: “Como disse?”
Doroty: “Nada, nada, esquece. Então ficamos assim: eu sou Doroty, sem o dona, isso envelhece demais a gente. Você é só Zildinha, ok?”
Zildinha: “Pode me chamar de Dinha, eu não gosto mesmo é de Zil”
Doroty : “Tá certo, Dinha... Cada uma...”
Zildinha sentando no sofá ao lado da patroa: “O que é que você queria me perguntar, Doroty?”
Doroty: “Ah, tá... Queria saber se você é namorada desse porteiro da noite, como é mesmo o nome dele?”
Zildinha: “O Juvenal??? Tá me achando com cara de namorar porteiro? Ainda mais o Juve que é um jumento”.
Doroty: “Jumento em que sentido, Zildinha, Dinha...”
Zildinha: “Em todos os sentidos, inclusive nesse que a senhora pensou, Dô...roty”.
Doroty: “Quê isso, Dinha? Eu sou uma mulher casada, bem casada, viu?”
Zildinha: ”Vi, Doroty, vi sim...”
Doroty: “Viu como? Você não falou que não namorava porteiro?”
Zildinha: “E pra ver tem que namorar? Mais essa agora... A senhora quer que eu lhe apresente o jumento?”
Doroty: “NÃO!!! Deixa pra lá... Como é mesmo o nome dele?”
- IV -
Magalhães abre a porta da sala e entra, acompanhado pela belíssima e sensualíssima Teteia, apelido carinhoso de sua adorável secretária de nome Doroteia. Zildinha e Doroty exclamam indignadas:
Zildinha e Doroty: "O que é isso, doutor Magalhães?"
Magalhães responde e faz as apresentações: "Isso que vocês querem dizer é essa? Teteia, minha nova secretária, de nome Doroteia; Doroty, minha esposa; dona Zilda, nossa secretária para assuntos domésticos"
Zildinha: "Secretária para assuntos domésticos? Gostei, vou pedir reajuste".
Doroty debochando: "Muito prazer, Te-teia..."
Doroty fala baixinho para o marido: "Posso saber por que o senhor trouxe esse bibelô aqui pra casa, seu Magalhães? Quem já tem uma Doroty não precisa de Doroteia"
Magalhães: "Não seja ciumenta, não seja ciumenta... Logo tudo será esclarecido. Teteia veio passar uns dias, talvez umas semaninhas conosco, está se separando do marido e não quer nem ouvir falar de homem em sua vidinha futura, não é, Teteia?"
Teteia faz que sim com a cabeça, puxa um lencinho minúsculo do decote e enxuga suas lágrimas de crocodilo.
Zildinha, em aparte para a plateia: "Magalhães está no auge da impotência, quer dizer, da prepotência. Agora, além da mulher e da empregada, quer comer a secretária. Mas ele não perde por esperar, logo logo Dodô dará o troco, o Juvenal jumento que se prepare..."
- V -
Sentada no sofá da sala, com a TV ligada, mas sem som, Doroty chora. Zildinha entra e pergunta:
Zildinha: "O que é isso, Dodô? Seu Maga fugiu com a secretária?"
Doroty: "Pior, Zil, muito pior... Descobri que a tal de Teteia nem mulher é. Trata-se de um traveca, um traveca, Zil, vê se pode...
Zildinha: "Nossa, Dô... Não sabia que seu marido gostava dessas coisas."
Doroty: "Agora, o Maga é meu marido, né, sua cachorra...? Fique sabendo que o MEU marido não gosta dessas coisas. Só trouxe Teteia pra disfarçar seus verdadeiros sentimentos pela vizinha do 507, aquele safado..."
Zildinha: "Ah, bom..."
Doroty: "Bom o quê, Zil?"
Zildinha: "Pense bem, Dodô... Imagina se o nosso Maga gostasse dessas coisas. Mas como foi que você descobriu o segredo de Teteia?"
Doroty: "Entrei no banheiro social pra procurar meu delineador, a porta tava encostada, por falar nisso, você viu meu delineador, Zildinha?"
Zildinha: "O delineador tá no quartinho dos fundos, peguei emprestado, mas esquece isso e conta o resto."
Doroty: "Então, abri a porta do banheiro e entrei, Teteia tava lá, com aquilo de fora, nossa..."
Zildinha: "Nossa o quê? Conta tudo?"
Doroty: "Tudo, nada... Saí correndo, fechei a porta do banheiro, desci as escadas como uma louca... Se não fosse o porteiro..."
Zildinha: "Se não fosse o porteiro, o quê?"
Doroty: "Então, o porteiro, o tal do jumento que você falou, tava lá no hall, me segurou, me agarrou, se não fosse ele tinha caído...
Zildinha: "Segurou você e o que mais?"
Doroty: "Eu agradeci, ele disse 'de nada' e passou a mão na minha bunda, o tarado. Por pouco não sento o guarda-chuva na cabeça do infeliz."
Zildinha: "Que guarda-chuva, Dô? Vai dizer que você pegou o guarda-chuva antes de fugir?"
Doroty: "Não, Zildinha... É só o modo de falar, parece que não tem imaginação. Não sentei guarda-chuva nenhum na cabeça do jumento."
Zildinha (em aparte para a plateia): "Não sentou, mas bem que queria... Te conheço, dona Dô... Mas não tiro sua razão, o jumento do Juvenal não é de se jogar fora..."
- VI -
Zildinha e Doroty na cozinha do apartamento. Zildinha bate um bolo, Doroty abre a geladeira e pega um refrigerante.
Doroty: "Zil, e a vizinha do 704? A tal que pinta o cabelo de verde-musgo, voltou da maternidade?"
Zildinha: "Voltou e trouxe a criança..."
Doroty: "Lógico, né? Queria que ela deixasse o bebê na maternidade? Cada uma..."
Zildinha: "Ahahaha... Tem razão, mas até que seria uma boa ideia, você não sabe o barraco que ela armou com o pobre do marido."
Doroty: "Sério? Depressão pós-parto?"
Zildinha: "Sei lá... Não entendo dessas coisas. Sei que foi por causa do nome da menina, a verde-musgo gritava: 'Seu estúpido, seu saco de bosta, eu falei pra você registrar como Lúcia Helena, entendeu? E não Lucilene, seu babaca. Lucilene é nome de favelada, vem cá, desgraçado..."
Doroty: "Sério, Zil? E seu Arnoldo, coitado?"
Zildinha: "Fugiu, Doroty, queria que ele fizesse o que? Desceu correndo as escadas, me lembrei da senhora fugindo do travecão..."
Doroty: "Não me fale mais nisso! Não quero lembrar desse episódio dantesco. Mas também, né? De Lúcia Helena pra Lucilene tem uma diferença abismal. Lucilene é nome de pobre mesmo, nome de emprega..."
Zildinha: "Dona Doroty, só não lhe pergunto se a senhora sabe com quem está falando porque não gosto de exorbitar dos meus atributos."
Doroty: "Desculpa, Zildinha, foi sem querer... É que nós duas somos amigas, né? Unha e carne, e você não é empregada, é a nossa secretária para assuntos domésticos. Mas conta o resto do entrevero."
Zildinha para a plateia: "Entrevero deve ser o barraco, né? Que mulher besta essa minha patroa..."
Zildinha para Doroty: "Então, a verde-musgo gritou, esperneou, falou que não queria saber de filha com nome de Lucilene, ameaçou até jogar a criança em cima do seu Arnoldo e da mãe dele, coitada..."
Doroty: "Depressão das brabas, conheço isso. Como é que a encrenca terminou?"
Zildinha: "Terminar mesmo não terminou. Tá lá trancada no banheiro, chorando. Teve uma hora que alguém ouviu ela pedir: 'Magalhães, Magalhães, vem salvar nossa filha dessa desgraça anunciada."
Doroty: "O QUÊ??? Magalhães, meu marido? O cachorro andou pulando a cerca do 704? Eu mato esse desgraçado, mato ele, Teteia, Verde-musgo, mato até..."
Zildinha: "Calma, patroa, vira esse facão pra lá, depois tem tanto Magalhães nesse mundo de meu Deus, né? Pode ser que nem seja ele."
Zildinha pisca para a plateia enquanto Doroty sai de cena, supostamente enfurecida.
- VII -
Zildinha, sempre com seu uniforme de empregada doméstica, fala ao telefone no living do apartamento.
Zildinha: "O que, seu Maga? Claro... Tá furiosa com o senhor. Saiu, nem sei pra onde. Tomara que não tenha ido tomar satisfações com a verde-musgo.
Pausa. Zildinha fala uns "aham.." Balança a cabeça, afasta o telefone do ouvido, com cara de quem protesta. Não percebe que Doroty abriu a porta e entrou em cena.
Zildinha: "O que é que você queria, doutor Magalhães? Mulher nenhuma aguenta tanta safadeza..."
Zildinha olha pra trás e dá de cara com sua patroa Doroty, solta um grito estridente e desmaia no sofá da sala. Vinda do telefone, voz de Magalhães diz, ansioso:
Magalhães (voz no telefone): "Alô, alô... Zildinha, que grito foi esse, menina? Não me assuste, não me assuste..."
Doroty pega o fone pendurado e diz para Magalhães no outro lado da linha: "Seu cachorro... Você MATOU Zildinha, eu vou te capar, cafajeste!"
- VIII -
Palco às escuras.
Voz de homem com sotaque italiano: "Foi aqui que pediram a luz do Senhor?"
Voz de Zildinha: "Acho que foi, o senhor é o técnico da Light?"
Voz do italiano: "Ma que Light? Eu sou o padre, o pároco, capisce?"
Voz de Doroty: "Ah... Foi daqui sim, pode entrar, seu padre."
Voz de Magalhães, sussurra para Zildinha: "Que novidade é essa, Zil? Um padre pra que?"
Voz de Zildinha, sussurra para Magalhães: "Dona Doroty acha que a casa tá precisando de um exorcismo, seu Maga. Diz que os maus espíritos tomaram conta do pedaço."
Voz de Doroty para o padre: "Por aqui, monsenhor... por aqui, vai benzendo tudo que a coisa tá feia aqui em casa. Até sem luz material nós estamos..."
Voz do padre italiano: Ma o que isso? Alguém tá puxando a minha batina, larga, sai... Encostou o trabuco nas minhas nádegas sagradas, sai, satanás..."
Voz de Zildinha: "Que satanás que nada... É Juvenal Jumento agarrando o pobre do padre. Nem o papa esse aí respeita."
Voz de Magalhães: "Quem deixou esse filho da puta entrar? Segura o cara que eu vou encher de porrada..."
Voz de Doroty: "Me larga, safado. Sai, Magalhães... Tira a mão. Sou eu Doroty, sua ex."
Voz de Zildinha: "Juvenal, é você, seu jumento? Já vi que é... Para com isso, não, Juvenal, nãããooo..."
Voz do padre: "Porca miséria... É a casa do demo. Vou me queixar ao bispo..."
- IX -
Na mesma sala do apartamento, Doroty está sentada no sofá com um bebê no colo. A seu lado, Teteia e a mulher do 502. Zildinha está em pé, conversando com Doroty.
Zildinha: "Fugiu como, Dô? Que novidade é essa?"
Doroty: "É isso mesmo que eu falei pra vocês. Magalhães, aquele canalha do meu ex-marido, fugiu com a tal de Doralice, a vagabunda do 704. O canalha fugiu com a vadia...
Zildinha: "Não fala assim da mãe na frente da filha, Dona Dô. Isso pode criar um trauma."
Mulher do 502: "Péra aí... Esse bebê é a filha da Doralice, a safada do 704?"
Teteia: "E a senhora que eu não conheço, posso saber a sua graça?"
Mulher do 502: "Eu sou a Dorvalina, ou a putinha do 502. Não é assim que você me chama, Doroty?"
Zildinha: "Vamo pará, vamo pará... Antes que eu ligue o ventilador e aí vocês já sabem o que vai acontecer."
Doroty: "Zildinha tem razão, vamos esquecer as traições do passado (bebê abre o berreiro) O presente nos chama."
Doroty dá a mamadeira para o neném, que para de chorar.
Zildinha: "Doroty, tem certeza que o seu Maga fugiu com a verde-musgo e deixou a criança pra senhora criar?"
Doroty: "Tenho certeza sim, Zildinha. Nunca tive filhos com o safado, agora ele me deu essa da vizinha. Nem nome ainda tem a pobrezinha..."
Dorvalina do 502: "Tem sim, é Lucilene, lembra não?"
Zildinha: "É mesmo, o nome dela é Lucilene... Foi isso que deu origem ao entrevero."
Teteia em aparte: "Zildinha agora deu pra falar difícil. Detesto empregada metida a besta."
Doroty: "Então... Magalhães fugiu com Doralice, a verde-musgo do 704, abandonaram a filhinha recém-nascida, de nome Lucilene, e o safado ainda esqueceu a esposa Doroty, a secretária Doroteia e a ex-amante Dorvalina, sem falar na Zildinha, que é...
Zildinha: "Que é o que, dona Dô? Veja lá, veja lá..."
Doroty: "...Que é uma excelente empregada, melhor dizendo, nossa assistente para assuntos domésticos, agora também promovida a baby-sitter padrão internacional."
Zildinha: "Mais essa agora..." (Tocam o interfone e Zildinha vai atender)
Teteia: "E agora, dona Doroty? O que será de nós quatro? A senhora e a putinha do 502 sem homem; eu e Zil sem patrão..."
Doroty: "Logo logo, Magalhães arranja uma Dóris ou Dolores, vocês vão ver. Doralice que se cuide. Quanto a nós, vamos voltar ao pobre e triste cotidiano, coitado...
Zildinha volta e diz: "Coitado de quem, Dô? Era o Juvenal no interfone, queria saber se a senhora vai precisar dele mais tarde."
Dorvalina do 502: "Juvenal, o porteiro, famoso jumento???"
Zildinha: "Você também, Dorvalina? Eu não acredito..."
(Pano rápido. Bebê abre o berreiro.)
quarta-feira, 17 de outubro de 2012
domingo, 30 de setembro de 2012
Versão Para Teste
E disse o filósofo, milenar e transgressor, ao ser
surpreendido quando chupava uma uva negra na alcova de sua dileta escrava:
"A melhor hora pra se fazer uma coisa é quando não
pode".
Entra uma voz pelo seu ouvido esquerdo, atravessa trompas,
canais, circuitos, e, sem danificar o que já foi ali depositado, sai pelo
ouvido direito de alguém que não é, nunca foi você, tão nítida a frase que
todos poderiam repetir:
"Não tire suas imundas conclusões antes da hora".
Assim como a existência precede a essência, a aparência
antegoza o desfrute.
quinta-feira, 20 de setembro de 2012
A Idade da Emoção
"Não
existe amor", ele dizia. "O que existe é paixão e
amizade. Pode haver sexo entre amigos, mas quando não existe sexo
entre duas pessoas apaixonadas, aí sim começa o romantismo" (Delícia... Estamos sempre procurando esse recomeço?).
domingo, 16 de setembro de 2012
CURRICULUM VITAE *
Meu
caminho, não hesito revelar, é o da contradição. Profundo
conhecedor de coisa alguma, escolhi o nada acima de tudo.
Adoro
as palavras, em especial as sufocadas na garganta. Consciente em
todas as alucinações, sou marginal, pois vivo à margem, mas não
bandido ou trapaceiro (ao menos assim não me vejo).
Revoltado,
insurreto, esbravejante. Mas de índole meiga e de caráter
conciliador.
Se
tiver que tomar uma sábia decisão urgente, sou capaz de levar 72
horas para, afinal, escolher a temerária.
Humilde,
arrogante, impulsivo, ponderado. Aceito ir à guerra, mas só se for
pela paz.
Sou
ótimo para escapar de labirintos inexistentes, mas incapaz de sair
dos que eu mesmo construí.
Misterioso
e transparente - às vezes bondoso, outras vezes cruel -, amo a
verdade, embora perceba que ela está sempre disfarçada entre
mentiras e subterfúgios. Difícil alcançá-la. Mais
difícil ainda aceitar que não é minha propriedade.
Não
acredito em nada, muito menos na descrença. Convicto? Só de uma
coisa: duvido de tudo (a tal ponto que nem das minhas próprias
dúvidas tenho eu certeza).
Fn
* Enviado a dezenas, talvez centenas, de empregadores, ainda não obtive sequer uma única proposta de emprego.
sábado, 25 de agosto de 2012
sábado, 11 de agosto de 2012
Da Série: "Não é lei, mas não é raro acontecer" (Clique para abrir o post)
Com
o passar do tempo, enquanto o homem perde a vergonha, a mulher perde
as esperanças de mudar o sem-vergonha.
Foto: The Honest Courtesan
segunda-feira, 30 de julho de 2012
Fragmentos, pedaços, cacos...
Fn
Na última vez que o entrevistei vi que seus olhos já estavam
indiferentes ao que se passava à sua volta; ou melhor, à nossa
volta; ou ainda, à volta de qualquer coisa na vida.
Pra falar a verdade, ele mastigava minhas perguntas e em seguida
cuspia as respostas, secamente. Como se as novidades estivessem por
ali há uns dois mil, dois mil e quinhentos anos, no mínimo.
Pedi que me descrevesse sua atual condição de vida. Em resposta
lançou-me um olhar perdido e deixou escapar que não ia continuar
falando sobre aquilo que todos gostariam de ouvir. Depois disse, alto
e bom som: "É isso que esperam? É isso que não terão..."
Senti que o vazio ameaçava tomar conta do espaço que ocupávamos.
Esse mesmo vazio poderia preencher o assoalho de tábuas enegrecidas,
depois contaminaria os afrescos, envolveria os vitrais, sairia porta
afora, infectando o átrio, avançando sobre o cenário de falsas
montanhas e atmosferas nebulosas.
Providencial foi ouvi-lo dizer: "Cuidado! Tudo o que escrever
aí nesse caderninho pode virar uma ou várias estórias - pistas,
pegadas - por menos que uma frase se encaixe na outra."
Sorriu, e através desse sorriso percebi sua ironia: as frases
escritas, os sons gravados na memória, as imagens retidas como
fantasmas, nada iria se encaixar, a ponto de tecer uma estória,
qualquer estória, por mais que eu tentasse.
Perguntei qual a razão maior de todos os lamentos, e ele se referiu
à perda de tempo, com um certo fastio. Pelo que entendi, era uma
perda de tempo dividir esse mesmo tempo em pedaços desprezíveis,
pequenos fragmentos, que passavam a ter uma vida independente do
tempo maior, o indivisível, e que por si só abriam caminho para a
falsa eternidade. Tentei perguntar se existiria alguma "eternidade
verdadeira", mas um simples bocejo me desencorajou.
Em seguida, voltou a falar sobre o rio, o tal que nunca é o mesmo,
embora idêntico a tantos outros. Aí residiria um dos caminhos para
escapar de armadilhas perigosas e recalcitrantes: aceitar que algo
pode ser igual e diverso ao mesmo tempo. A ilusão é quem muda a
essência e dá origem ao vício - o vício de estar sempre
imaginando opostos, supervalorizando diferenças, contrapondo,
medindo, avaliando. "O próximo passo é julgar, escolher ao
lado de quem você quer se esconder neste exato momento", disse
ele.
Queria saber se a solidão não lhe era pesada, se não se sentia
mal assim tão isolado, mas pelo olhar cheio de vida que me lançou
concluí que sozinho estava eu, não ele. Se naquele momento surgisse
um espelho entre nós dois, era bem capaz de reconhecer que, não só
a solidão, mas também a tristeza, o fastio, o desinteresse, não
passavam de projeções que eu mesmo enviava e recebia de volta, a
título de resposta.
Espontaneamente, criticou o egocentrismo - eterno, incurável. Disse
que somos formigas com complexo de elefantes.
"Todos nós? - perguntei - Seus filhos?"
Foi o sinal para que desandasse a enaltecer mãos, dentes, palavras,
suspiros, impulsos, pecados, magias...
Com um simples gesto, descortinou o horizonte. Coloriu o céu e a
terra, cada canto do quadro com sua própria tonalidade - exclusiva,
mutante.
Passei tanto tempo admirando as cores que não cheguei a perceber
que ele se fora. Acordei ali mesmo, à sombra de uma nuvem branca
encobrindo o sol, disposto a escrever no caderninho suas últimas
palavras, que um dia ainda irei lembrar.
segunda-feira, 23 de julho de 2012
sexta-feira, 29 de junho de 2012
Sessão Pano Rápido
Episódio
de hoje:
“Pra
bom entendedor, meia palavra é pho...”
(Todas as falas em off)
Luís
Marcelo:
“Você
acha que o teto tá precisando de uma ou duas demãos?”
Marietinha:
“Uma
demão só resolve, acho eu.”
Luís
Marcelo:
“Você
tem passado água sanitária pra tirar as manchas, Mari?”
Marietinha:
“Dona
Consuelo que mandou...”
Luís
Marcelo:
“Não
fala o nome dela que eu sou capaz de broxar.”
Marietinha:
“Acaba
logo com isso, homi de Deus. Vai que sua mulher entra por aquela
porta e surpreende nós dois nesse entra-e-sai, até ouvi uns
barulhos...”
Luís
Marcelo:
“Pronto,
broxei... Era isso que você queria, né?
Marietinha:
“Eu
hein... Dá licença, seu Luís, desafasta que eu tenho que me
vestir. Broxou tá broxado. Cada um que me aparece...”
SINOPSE:
Take único: CÂM explora o teto de um quarto, pintado de branco e
com diversas manchas na pintura. Diálogo em off. CÂM se afasta em zoom lento e só então percebe-se na pintura do teto a
imagem de um anjo, desbotado e com as asas amareladas. CAM em
movimento rápido enquadra ator nu sobre a atriz, também nua,
tentando se desvencilhar.
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