sábado, 28 de novembro de 2009

PSICOGRAFIA


PREFÁCIO À SEGUNDA EDIÇÃO

Pesquisa realizada entre as raríssimas pessoas que adquiriram um exemplar da primeira edição concluiu que:

- A maioria dos entrevistados não leu e não gostou

- Os que leram também não gostaram

- Todos, sem exceção, acreditavam que Psicografia era uma obra de conteúdo espiritualista, e se sentiram de alguma forma ludibriados.

Já que o autor não o fez na primeira edição, os editores
sentem-se no dever de alertar os leitores para o fato de que Psicografia não possui vinculações com a filosofia espírita, nem o referido autor nutre simpatia por esta ou qualquer outra doutrina religiosa.
Feita a ressalva, esclarecemos que, em hipótese alguma, serão aceitos pedidos de devolução da importância paga. Comprou, tá comprado, ok?

O GRUPO

Começamos a nos reunir às sextas-feiras, no início era só nas sextas-feiras 13, depois passou a ser na última sexta-feira do mês e acabou que agora nos encontramos toda segunda, quarta e sexta, não importa a data. Não há tema, cada um fala o que bem entende, pode ser uma coisa de se queixar, de chorar, de pedir ajuda, apesar de que aqui ninguém “ajuda” ninguém, isso faz tempo que é regra entre nós. Quando começamos não havia nenhuma intenção ou motivo para as reuniões, o que a gente queria era pôr pra fora o máximo de coisas que somos obrigados a guardar mesmo sem querer, nosso desejo era “vomitar” as palavras sem medir as consequências, isso era bom no início e foi se tornando cada vez melhor, e melhor, e melhor...

Aqui, reclamar é a coisa mais fácil do mundo, é moleza, você vem e solta o verbo, fala cobras e lagartos, xinga, pode até xingar o cara ou a menina que tá do teu lado, não tem nada a ver, ninguém vai te olhar torto, nem ficar puto da vida contigo, nem você vai ter que explicar porra nenhuma, reclamar é fácil, difícil é passar horas e horas ali ouvindo as histórias de cada um, aquele bando de gente gritando ao mesmo tempo, uma confusão dos diabos, foi isso que nós conseguimos com essas reuniões que agora são diárias, sai cada uma que nem dá pra acreditar, é gente contando coisas íntimas, pessoais, falando do marido, da mulher, da mãe, do pai, quase que falam do filho e do espírito santo, é gente dizendo que sente falta de uma montanha de coisas, outros esnobando, jurando que não precisam de nada, que queriam transar mais, que queriam transar menos, tem uns até que nem queriam transar, vê se pode, é gente dizendo que odeia isso, adora aquilo, é tanta gente falando ao mesmo tempo que dá pra lembrar aquele velho ditado, em casa que não tem pão todo mundo grita e ninguém tem razão, embora não fosse bem o pão que estivesse faltando.

E o que é que estava faltando?

Uma noite cada um no grupo recebeu uma folha de papel em branco e duas canetinhas, uma vermelha e a outra azul. Foi durante uma das sessões em que ninguém podia abrir a boca, só anotar seus desejos, anotar o que queriam que acontecesse com a caneta azul e o que achavam que deveria acabar com a caneta vermelha, tinham tempo para escolher e podiam ficar tranquilos, porque ninguém precisava assinar o nome na folha. Desejos, com a caneta azul; incômodos, com a caneta vermelha. No início ficaram se olhando, até com uma certa desconfiança, mais tarde foram se soltando pouco a pouco, escrevendo sem parar, às vezes um ou outro esticava o pescoço pra ver se descobriam no vizinho uma coisinha qualquer, um detalhe que estivesse faltando no seu relatório – foi assim que chamamos a tal folha, que acabou virando uma pilha de folhas de papel, cheias de garranchos, como se todo mundo tivesse escrito com a mão esquerda, talvez desconfiando da promessa de absoluto sigilo.
Na hora de conferir os relatórios, o que a gente viu foi que se alguém para de reclamar, fecha a maldita boca e olha pra dentro de si um pouco, uns minutinhos que seja, o que quase todo mundo pede é paz. Por incrível que pareça, acima de tudo querem paz, como se o mundo estivesse mesmo em guerra. A caneta vermelha anotou aqueles substantivos que todos nós detestamos: fome-dor-desprezo-traição-amor não correspondido-bala perdida...

Na sessão seguinte fizemos um questionário para estas mesmas pessoas e para outras que acabavam de ingressar no grupo. Se quase todo mundo queria paz, deviam ao menos explicar que tipo de paz era essa, porque uma coisa é falar em tese, outra é descer aos detalhes, esmiuçar, juntar os átomos de cada suspiro, mostrar conhecimento. E assim foi que descobrimos que a tal paz que todo mundo queria começava com um pedido para que se pusesse fim às incertezas e intranquilidades, queriam expulsar a dúvida e deixar entrar a confiança cega, eliminar as disputas, além de ceifar pela raiz injustiças e privilégios de toda sorte, achavam que paz era sinônimo de facilidade, porque se alguém está em paz é porque as coisas são fáceis para ele, ou para ela. Alguns queriam o descanso de barriga cheia e a mente vazia, outros chegaram a desenhar escravas nuas abanando um sultão, um marajá, qualquer coisa assim, mas vai você espremer tudo isso e descobrirá que a paz que procuravam se confundia com a inércia, com a monotonia, talvez com a volta ao paraíso sem pecado, enfim, o que eles queriam era a paz dos mortos, ou a morte em vida. E isso não é pra ser levado a sério, a não ser quando se morre de verdade.

Na outra sessão, com novos participantes, puxamos o lado do prazer, revivendo lembranças e despertando desejos adormecidos. Não foi difícil reacender eternos sonhos, estimular devaneios que antecedem o pegar no sono e transmitem a tranquilidade que, de um jeito ou de outro, quase todos almejamos. Voltamos à livre manifestação. Alguns escrevem, desenham, tomam nota; outros falam, gesticulam, as vozes se sobrepõem e se encaixam às frases soltas, mas nunca com aquela sofreguidão enfurecida de antes. Há também lugar para os que apenas desejam pensar e nestes percebemos que, se não possuem propriamente a paz interior, exibem o alheamento, a ausência, ou o que poderíamos chamar de torpor, acompanhado por uma certa doçura nos olhares perdidos. Para eles, pensar no prazer passou a ser melhor do que exercê-lo, pois o pensamento eterniza, impede a fuga e o inevitável arquivamento no passado. Ouvimos um deles dizer: “O prazer, como a felicidade, só é bom se for para sempre e se estiver bem aqui do nosso lado, o que é uma idéia inalcançável”.
Alguns juram que foi daí que brotou uma visível “consciência coletiva”, que não era meramente espiritual. Passeou pela sala, segundo eles, encheu os cantos, cobriu o assoalho, os móveis, as pessoas, alojou-se no teto, bem acima de todas as cabeças, pensantes ou não. Sua forma? Era uma luz, como não podia deixar de ser. A cor? Bem, os que viram garantem não ser possível reproduzi-la, sequer descrever suas mutações. Eram estes os mais propensos ao misticismo, de modo que foi necessário manter uma certa isenção e podar a tendência à religiosidade exagerada, ao fanatismo, pois nenhum deles sabia ao menos explicar por que razão chamavam a luz de “consciência coletiva”. Foi a partir desta experiência que surgiram as primeiras seitas. Homens e mulheres que teriam visto a “consciência coletiva” passaram a se reunir às escondidas para adorar, de corpo e alma, a alma e o corpo do estranho ser. Apareceram desenhos, fotos, vídeos, sons e tudo  mais. Artistas misturaram pigmentos para reproduzir a nova cor, cientistas tentaram medir o campo magnético e o comprimento das ondas que a luz deveria emitir, músicos de renome criaram hinos, poetas encaixaram letras. Em pouco tempo, alguns passaram a exibir uma intimidade maior com a “consciência coletiva”. Levavam pedidos e traziam incumbências. Transportavam oferendas e arrancavam uma parte delas para o seu próprio sustento. Suplicavam, intermediavam, amaldiçoavam, distribuíam castigos e espargiam perdões.

Nos encontros seguintes, tentamos introduzir a mais rígida de todas as flexibilidades, a mais completa abertura. Pedimos que, sucessivamente, fechassem os olhos, tampassem os ouvidos moucos, calassem suas bocas obscenas, cerrassem seus vorazes dentes e apertassem com os dedos sujos seus malditos narizes, não tocassem em nada para ignorar a textura e espremessem a memória para um canto qualquer dos cérebros adormecidos.
Depois, ordenamos que, de uma vez só, soltassem tudo aquilo que andou represado.
Devolveram a falsa paz, expeliram a hipocrisia e o perdão, purgaram culpas, escarraram julgamentos – seus e sobre outras pessoas –, choraram, blasfemaram, imolaram-se. Um deles chegou a exibir sua mão direita queimada, invocando um tal Múcio Cévola, arrependido de tantos erros, ou de um só e decisivo que o fez entrar para a história. Na hora em que se desnudavam havia um espelho, onde podiam mirar a si mesmos e reconhecer que a maior parte do tempo tinham sido levados a viver uma vida que de fato não desejavam. Agrediram quem amavam, traíram a quem deviam lealdade, ofenderam, mentiram e se omitiram, desdenharam, pisaram, humilharam, mas também sentiram pena, arrependimento, remorso, culpa e ódio por si mesmos. Foi neste processo que os estimulamos a procurar o demônio dentro de cada um, de certa forma até os desafiamos com veemência, e obtivemos em troca o acúmulo de algumas idéias materializadas, que, a exemplo da “consciência coletiva”, juntavam-se espontaneamente, levitavam, varavam o teto da sala, recusavam-se a descer, mantinham-se unidas e assim aumentavam de volume como a massa disforme que precede o pão.

Um a um foram voltando. Alguns referindo-se a uma viagem; outros, a uma fuga e à vontade de continuar fugindo, mesmo que não fosse assim tão bom o lugar de destino. Muitos, quase todos, dizem que a partir de um certo momento têm a sensação de que suas próprias vidas não mais lhes pertencem, pelo menos deixou de ser sua propriedade exclusiva. Tem um ponto que a partir dali qualquer um pode meter a mão, inventar histórias, escolher a dedo as mentiras que irá contar sobre o passado de cada pessoa, embora só ela o tenha vivido de fato. Uma espécie de virtualidade?, perguntamos; responderam, talvez... Insinuaram que é reconfortante a perda da individualidade, mas que provoca uma certa angústia este abrir mão do próprio passado. Na verdade, a impressão que tínhamos é que voltavam cada vez mais teóricos, pensativos, duvidosos.

A cada semana, são inúmeras as pessoas que nos procuram e mais ainda as que procuram as seitas que a partir daqui se formaram. Todas estão em busca da verdade e nenhuma parece entender que a procura não terá fim. Por mais que pensem, estudem, meditem, querem sempre a volta ou a continuidade. A seita de maior prestígio tem como lema: “A vida é breve, mas a morte é passageira”. Acreditam, portanto, que um dia voltam, nem que seja como macacos ou iguanas, e olhem que não são indianos, nem ao menos sabem o que é a metempsicose.

Tiramos que lição de tudo isso? O resultado, o sumo da fruta ácida, é que a vida se repete, com ou sem consciência coletiva, descobrindo-se ou não o demônio dentro de cada um. A verdade é que de um jeito ou de outro tudo acaba se repetindo, embora sempre prometa novidades, como os três pontinhos ao final de um texto...
PRIMEIRA PARTE

RAQUEL

UM

Estamos ilhados. Nossas crianças não podem mais pôr o nariz pra fora de casa. Há um risco de que alguma coisa caia sobre elas e as levem, como aconteceu com tantas outras que se foram sem deixar vestígios.
Os lugares que costumávamos frequentar não mais existem ou, se existem, já não são os mesmos. Outro dia passamos na porta de um restaurante aqui no condomínio, um lugar agradável que há muito tempo tinha sido uma churrascaria. Pois bem, lá de dentro arremessaram um sujeito gordo na calçada, quase nos atingiu, por pouco não derrubou meu marido, como se ele fosse um boliche, e o gordo, como uma bola rolando na calçada, imundo! Estava só de cuecas e tinha o peito peludo como um gorila. Mais tarde ficamos sabendo que o tal sujeito jantou e não tinha como pagar a conta, por isso arrancaram a sua roupa, o espancaram sem dó nem piedade e o arremessaram porta afora.
Alguns amigos dizem que é exagero meu, que ainda podemos passar em portas de restaurante e imaginar o cheiro de antigas churrascarias. Eu, por mim, não ligo para nada disso. Por ser mãe, quero apenas preservar o direito que nossos filhos deveriam ter de ir a um parque, a uma escola. Mas, não... Temos que dar aulas a eles aqui em casa mesmo. Um pai vem, ensina um pouco de matemática, o pouco que ele sabe, coitado; depois vem a tia de um outro menino e diz umas frases em inglês ou em francês – coisas que ainda não esqueceram por completo, sabe-se lá até quando... Eu fico no meu canto, pois sou de pouca serventia. Já nem sei que palavra quer dizer o quê.
Para não ficar louca e abandonar as crianças à própria sorte, escrevo cartas como essa que caiu em vossas mãos. De tempos em tempos, recebo respostas estranhas, para mim soam como coisas escritas do Além.

Uma de minhas amigas, que há muitos anos morava na Inglaterra, me responde dizendo que é exagero nosso, que o quadro não deve ser tão negro como pintamos. Disse mais, que é histeria, sensacionalismo... Até usou uma imagem que muito me chocou: comentou que às vezes parecemos pintinhos perdidos no deserto: se o sol não nos torrar, a cobra vem e nos devora. Juro que me deu vontade de responder que o sol nasce para todos e a cobra não costuma rejeitar carnes nórdicas e alvas. Mas fiquei quieta, até porque não tinha como responder, posto que amargamos o mais completo isolamento e eu nem sei se essa minha amiga ainda é viva ou não.
Na verdade, desconfio de tudo e de todos. Creio que as cartas são violadas. Acho que olham o que têm dentro e só depois as liberam para nós, quando comprovam que ali só tem palavras, desenhadas numa folha de papel. Chegam a raspar com gilete os cantos das cartas, talvez porque pensem que bem no meio, entre a frente e o verso, pode estar escondido algum tesouro, um cheque em libras esterlinas, quem sabe...

Quando a vida começou a se complicar, nós e alguns amigos compramos as barrinhas amarelas, aquelas coisas minúsculas e sem muito brilho, todos sabem, e escondemos no sótão aqui de casa. Lembro que nos criticaram, disseram que tínhamos feito uma grandissíssima bobagem, que havia mil outras oportunidades, mais seguras e mais lucrativas, para investir nossas economias. Mas o que eu sei é que as barrinhas nos serviram, foram de grande valia quando tudo começou a escassear. Não chegamos a trocar nenhuma delas, mas ainda nos dão crédito porque sabem que as temos em casa – o que não deixa de ser um grande perigo, é claro.
Eu sei que ainda tem muita gente que se sente segura. Aliás, gente estúpida é o que não falta nesse mundo, nunca faltou... Acham que porque têm dinheiro nada lhes acontecerá – o que vem a ser uma enorme de uma sandice (o termo “sandice” eu aprendi com meu pai, há muitos anos, quando ainda se dava alguma importância a coisas tão falsas e comprometedoras como o saber. Digo isso porque se hoje descobrem que sabemos algo, é em cima de nós que o ódio recairá).
Estamos todos terminantemente proibidos de ultrapassar as grades que temos na memória. Parece uma coisa do outro mundo, mas é a pura realidade: se dizem a você durante anos que este é o limite, que daqui você não pode passar, depois é fácil tirar as cercas e te deixar cercado, entende? Não é só uma questão de tempo, eu acho que aprendemos que ter medo é mais negócio do que ser destemido, e isso é uma droga, que vicia. De proibição em proibição, acabamos todos, ou quase todos, viciados no medo.

Um dia desses, não me lembro se foi nessa semana ou na outra, passou por aqui um grupo de garotas e garotos. Vinham com máscaras e roupas negras, mas não era nenhuma comemoração ou brincadeira, nem era um carnaval daqueles dos velhos tempos. A pergunta que eles faziam era até adulta demais: “Por que devemos respeitar as proibições? Por que temos que obedecer as regras e não dar um passo além das cercas? Só porque nos dizem que é perigoso?”
Agora a grande questão que deixou os adultos sem resposta: “Vale a pena obedecer a tudo isso só para preservar uma vida de prisioneiro?” O pior é que depois ficamos sabendo que eles já tinham tomado a sua decisão. Faz tempo que ultrapassavam os limites e corriam todos os riscos que a gente pode imaginar...

Eu quero saber de vocês uma coisa, me digam com toda a franqueza: alguém pode criar os filhos pensando em primeiro lugar nos limites que eles terão pela frente?
Este é o sentido daquela revolta juvenil, imatura, cheia de paixão, rancor e outros sentimentos que aprendemos a controlar com o tempo . Na verdade, as cercas já não existem, mas será que um dia teremos coragem de ultrapassá-las?


DOIS

“Uma coisa que só você sabe nem por isso tem de ser uma grande descoberta”, foi isso que me disse uma pessoa por quem eu tenho um grande respeito, acima de tudo.
Na hora não respondi nada, mas depois fiquei pensando se devia interpretar como um elogio ou, talvez, como sutil ameaça.
Explico melhor: essa pessoa estava dizendo que só eu tinha percebido o tamanho do problema que nos atingia, mas que isso talvez não fosse uma grande descoberta. Aí é que estava o “xis” da questão, no verdadeiro significado da tal “grande descoberta”. Uma coisa que não valia muito? Ou algo que valia tanto que eu devia temer por ter descoberto?
Os jovens? Esses apenas reagiam com indignação, mas daí a ter consciência vai uma grande distância.
Imediatamente após ter escrito este comentário, me ocorreu que é antigo o hábito de alguém desmerecer quem está por perto para se valorizar, a si mesmo e às suas conclusões . Retiro, pois, o que disse: não há como afirmar que os jovens, em sua revolta surda, reagem apenas de acordo com seus impulsos. Talvez, entre eles, alguém tenha consciência daquilo que se passa em nosso mundo, mais do que tudo isso que estou escrevendo, e que você lê em algum lugar do futuro, se é que podemos imaginá-lo.

TRÊS

Tanto tempo se passou e só agora começo a receber algumas mensagens comentando a primeira carta, aquela que mencionava os jovens e sua revolta. Quero esclarecer que pode existir uma sensação de que tudo por aqui está comprimido, sintetizado. Mas é natural, muitas coisas são cortadas; a maior parte, omitida... Isto sem falar na montanha de mensagens que é censurada a cada dia.
Vamos ao que interessa: pela primeira vez ouvi alguém levantar a hipótese de que tudo isso que está acontecendo pode ter origem aqui no próprio condomínio.
Me chocou, não vou dizer que não. Achei que podia ser alguém daqui de dentro, tentando incriminar alguém aqui de dentro. Mas logo em seguida começaram as pichações: “DE QUE MORREM AS LAGARTIXAS?”
Parecia uma senha, não é? Talvez uma senha para o maior massacre que nós moradores já tínhamos presenciado em toda a longa história deste que já foi um dos melhores condomínios da cidade.
Não quero entrar em detalhes. Me horroriza falar de corpos pendurados, estilhaços de gente, de tênis enlameado junto à fétida sarjeta – calçando um pé cortado na altura da canela sangrenta.
Não pretendo descer ao inferno. Me horroriza tudo isso. Deixo para os noticiários da TV.

QUATRO

Entendo que alguém pode estar lendo estas parcas notícias com olhos desinteressados, quem sabe até um pouco incrédulos. A estes, tudo o que eu posso dizer é que cerrem as pálpebras, como na história do filósofo que se punha na frente da abadia de Westminster e achava que ela desapareceria se fechasse momentaneamente os próprios olhos. Feche os seus, finja que não há um sacerdote sequer no amaldiçoado templo, maculado com o sangue dos inocentes.
Já vai longe o tempo em que os moradores do condomínio se reuniam para descobrir e avaliar as causas dos nossos problemas. Me veio à memória a figura de um ancião exaltado, brandindo seu dedinho torto em nossa direção e ameaçando a todos com um futuro que ele mesmo não sabia descrever. Chamavam-no de louco e imoral, porque além de tudo vivia com duas jovens mulheres em sua mansão e ali praticava toda sorte de indecências. Não raro, gritos lancinantes e gemidos obscenos acordavam boa parte das frias madrugadas no condomínio leste.
Foi ele o primeiro a nos acusar abertamente, não por fecharmos os olhos e desprezarmos a gritante diferença entre os moradores. Ele, tampouco, não perdia tempo em criticar o já tão surrado abismo cada vez maior que nós mesmos estávamos cavando e que acabaria por nos engolir a todos, no seu entender. Com o dedinho frenético e acusatório, o ancião jamais se defendeu das acusações de imoralidade e desrespeito às regras mais elementares do bom convívio. Para ele, nada do que dizíamos tinha importância. A causa de todos os problemas que nos afligiam era outra, bem distante das questões meramente materiais. Seu conselho?
“Fecha os olhos antes de abrires a boca. Imagina que alguém te segue e imita o exemplo que ofereces. Dezenas, centenas, milhares de seguidores estão ávidos à espera do que irás dizer. Portanto, quando abrires os olhos e moveres os lábios para falar o que quer que seja, pensa na porta que estás abrindo ou fechando; no sonho que só tu podes ajudar a nascer ou a enterrar de vez: parteira ou coveiro? Só então escolha de que lado queres ficar.”

Naquela época ainda não o conhecia em pessoa; apenas vagas descrições de seu corpo degradado e de sua mente afiada chegaram a mim através de alguns amigos. Criei dentro da minha própria cabeça a imagem de um sujeito debochado, culto como poucos, olhinhos negros e pequenos; na língua, farpas que arremessava a todo instante, em todas as direções.
Um dia, quando nos defrontamos, jurei que não era aquele o ancião que o condomínio execrava. Tinha um jeito doce, aparência saudável, a pele do rosto ainda esticada, apesar da idade provecta. Não me olhou com desprezo nem com arrogância. Ficou para mim a impressão de que era um sujeito livre, e isso sempre ofendeu as pessoas.
Mais tarde, o ancião também foi levado. Acusaram-no de intermediar a venda de uma droga sintética, capaz de provocar dores inenarráveis, para, logo em seguida, distribuir o alívio em forma de gozo. Muitos passaram a depender da tal droga até mesmo para acordar a cada manhã. A sentença, divulgada clandestinamente depois que enforcaram o ancião, estabelecia que nenhum condômino tinha o direito de distribuir a dor sem autorização e prévio controle. Caso o fizesse, pagaria com a própria vida o atrevimento.
Achei engraçado. As pessoas se viciavam no alívio, mas era a dor que condenavam.
Quando o levaram, ouvi gente aplaudindo e gritando: “Agora ele vai provar de seu próprio remédio”...
Assim caminha a humanidade, um título maravilhoso, embora o filme não fosse tão bom assim.

CINCO

Tenho recebido novas mensagens quase todos os dias, o que significa que essas que estou mandando agora também devem chegar a algum ponto deste universo misterioso.
Minha vontade é responder a todas elas, por mais impróprias que sejam. O que me falta não é tempo nem disposição. Tenho dúvidas, isto sim, sobre o veículo, os meios que até hoje tenho usado. É como se uma luz de vela desse os primeiros sinais de que está em vias de se extinguir, entendem? Aliás, não importa se a luz vem de uma vela que se acaba ou de uma estrela que já não existe – o medo, a insegurança, serão sempre os mesmos.
Disseram-me que houve um tempo em que as ruas do condomínio eram pavimentadas com pedras redondas e que sobre elas martelavam as patas dos cavalos e, às vezes, giravam as rodas das carroças, nada mais. Me escreveram indignados, perguntando como tínhamos deixado as coisas chegarem a este ponto sem volta, a este beco sem saída que, ainda por cima, alguns de nós insistiam em defender e elogiar.

Penso que boa parte do que padecemos no presente há de vir do futuro que sonhamos construir, mais ainda do que do passado que deixamos de trilhar. Entenderam?

Ontem recebemos a visita de uma jovem de rosto lavado, vestindo uma túnica preta, de pano grosseiro e sem nada que demarcasse a cintura ou as formas de seu corpo. Disse que se chamava Ifigênia, era freira e pertencia à Ordem das Quimeronitas. Nunca tinha ouvido falar nessa Ordem e, além disso, já naquele tempo, freira era uma coisa fora de moda. Trouxe-nos um questionário e um termo de adesão a um grupo de resgate das tradições condominiais. Uma das perguntas do questionário era:
“Você acha que devemos revidar com violência a violência que nos atinge? Sim ou Não?”
Claro que na hora tive o impulso de marcar o quadradinho “Não”, mas depois de muito meditar concluí que qualquer que fosse a resposta eu estaria reconhecendo por escrito que existia de fato uma violência a nos molestar. Como não sabia quem era a moça, nem quais eram as suas reais intenções, deixei esta e muitas outras perguntas sem resposta.
Ao sair, parece que de propósito, um cartãozinho caiu de sua bolsa. Tinha o desenho em baixo relevo de uma estrela transpassada por uma flecha. Em letrinha miúda, o convite: “Vocês estão sendo esperados para a primeira reunião de estudos da obra completa do finado Saulo d’Amici. Local: Condomínio Oeste (qualquer ala) Hora: 03:42”
Tentei devolver o cartão, mas a mocinha já estava longe. Mais tarde fiquei sabendo que Saulo D’Amici era um dos muitos nomes que o velho louco adotava para publicar suas teses igualmente insanas. A moça era uma das duas Ifigênias que ele possuía com estardalhaço. Daqui de casa acho que ninguém foi a essa tal reunião, a não ser que eu esteja sendo enganada pela minha própria família.

SEIS

Pela manhã recebi uma mensagem altamente comprometora. Veio na forma de um minúsculo disco, com dezenas, talvez centenas de músicas gravadas. Ouvi com atenção e lá pelas tantas escutei bem baixinho a voz metálica de um homem que repetia: “Não podemos deixar que o medo venha a ser a nossa única emoção. solte a voz no dia do grito!” Era uma mensagem que acompanhava o ritmo da música, quase como uma letra adaptada.
Depois que a voz robotizada sumia, a música continuava e logo em seguida entrava outra, e outra... Quase no final do disco, uma nova mensagem cantada: “Na hora certa, solte essa voz sem medo...”
Naquele momento fiquei pensando que era mais uma arapuca que armavam contra nós e me deu vontade de quebrar o disco e destruir todos os vestígios daquela proposta inconsequente e comprometedora. À noite, reuni a família para ouvir a mensagem, junto com alguns vizinhos de absoluta confiança. Qual não foi minha surpresa ao constatar que a voz tinha desaparecido misteriosamente... As músicas eram as mesmas, o disco continuava íntegro, sem nenhum arranhão, mas não havia jeito de escutar a voz do tal homem, convidando para o dia do grito.
Uma das vizinhas, por sinal prima do meu marido, sorriu e revelou que era comum uma mensagem desaparecer nesses discos minúsculos que se auto-reproduzem, após ter sido ouvida uma única vez. Disse ela que eu não devia me preocupar com isso, que não tinha nada demais, etc., etc... essas coisas que as pessoas falam sem nenhuma convicção. Não sei se ando com a imaginação fértil, mas reparei perfeitamente quando Paula, era esse o nome da vizinha, olhou para o meu marido de um jeito mais do que amistoso, um jeito por si só irônico, cheio de cumplicidade. O olhar que ele ia retribuir fiz questão de congelar com um comentário do tipo: “Vai ver que foi isso que aconteceu... Vocês aceitam um cafezinho?” Soou tão falso que as pessoas, inclusive Paula, começaram a se levantar e a se despedir, agradecendo o cafezinho que não tinham tomado. Eu fiquei pensando se não é por aí que o inimigo consegue entrar: pela porta da formalidade, da falsidade, de coisas que não são ditas, mas ofendem e por isso mesmo devem ser prontamente esquecidas.

Depois que todos se foram, meu marido me serviu o tal cafezinho que ele mesmo preparou. Sentou-se no sofá, acariciou meus cabelos e disse, com toda a candura que um homem pode pôr na voz: “Não se preocupe demais com essa história, querida. Ouvi dizer que tudo se resume a uma jogada de marketing, entendeu?”
É claro que eu não entendia. Ele explicou esfregando o dedo indicador no polegar e piscando para mim: “La plata, querida, la plata... Estão querendo desvalorizar o condomínio. Parece que tem gente interessada em comprar tudo isso aqui a preço de banana, para depois demolir e criar sabe-se lá o quê... Um grande cemitério talvez.”
Inocentemente, perguntei a ele o que tinha achado de Ifigênia e de Paula, sua prima. Ele franziu um pouco a testa e me respondeu que muita gente no condomínio achava que Ifigênia era uma das garotas que dormiam com Saulo e que urravam de prazer até tarde da noite, afrontando a todos nós. Eu não disse nada em troca. Quanto à Paula, quem não disse nada foi ele.

SETE

O racionamento foi uma das novas medidas impostas sem maiores argumentações. Um dia de manhã, estava saindo para as compras quando um menino me entregou um papelzinho que eu enfiei na sacola sem prestar atenção. Só mais tarde fiquei sabendo que aquele cartão era uma espécie de vale-compras, tinha o meu nome, o nome de meu marido, o código da família e o endereço de casa, tudo isso, é claro, armazenado em algum canto de sua parca memória. Sem ele, não havia como abastecer a despensa. Já no caixa do mercado me pediram “a liberação” – foi esse o nome que deram para o ticket de racionamento. Entreguei o cartão, os sujeitos passaram na leitora, anotaram uns números e lá fui eu de volta para casa, sem compreender ao menos como tínhamos voltado aos tempos de guerra se estávamos em paz. Ou será que a paz nunca existiu e a guerra jamais se acabaria?
Os dias se passaram e eu continuava a receber o cartão de racionamento, com uns créditos indecifráveis que a máquina e os sujeitos no mercado davam baixa, sem que eu entendesse coisa alguma. Nunca cheguei a ter medo de estar comprando além da quota, principalmente porque nossa despensa vivia repleta, cheia de produtos que eu jamais me atreveria a comprar. Aquilo me intrigou e passei a observar sorrateiramente, para ver se descobria quem estava nos abastecendo.
Esta talvez tenha sido a maior de todas as decepções por que passei na vida. Engraçado é que você pode perfeitamente ter uma decepção com algo bom, agradável, benéfico. Não precisa ser necessariamente uma tragédia para você se decepcionar. Digo isso porque a descoberta que eu fiz sobre o “milagre da despensa” incluiu a boa alma do meu marido, carregando latas, vidros, potes e pacotes nas sombras da madrugada, sorrateiro e ardiloso, não me perguntem por quê. Decepção de verdade eu tive quando certa noite ouvi Paula dizer baixinho: “Vamos logo antes que ela acorde...” É claro que “ela” era eu, só que Paula não falava com seu primo, meu marido, mas sim com meu filho Mateus, que ajudava a esvaziar caixas e mais caixas de alimentos concentrados, que Paula e meu marido iam colocando atrás daqueles que eu já havia comprado com o cartão do racionamento.
Consegui escapar sem ser vista. Fui para a cama pensando que algo terrível deveria estar para acontecer no condomínio, senão, por que diabos agiriam os três daquela forma estranha? E o dia do grito? Me senti tentada, só pra ver no que ia dar tanta loucura.
 

MATEUS

UM

Não sei o que dizer. Acho que ninguém saberia o que dizer se estivesse numa situação como a minha. Meu pai às vezes diz que a minha mãe tá louca, mas logo se arrepende e alivia um pouco: “Raquel tá com problemas, Mateus... tá com problemas...” Mas, porra...! Problemas, quem é que não tem?
A coisa tá complicada aqui em casa. Se você quer saber, faz tempo que estamos tapando o sol com a peneira, como a minha mãe gosta de falar. Não há assim um clima de briga, entendeu? Ninguém acusa ninguém cara-a-cara. Mas a gente sente que em breve vamos ter que tomar partido, eu e minha irmãzinha Ester.
Me chamaram pra encher a despensa e eu fui. Depois me aconselharam a não contar nada pra minha mãe, porque ela achava que tinha um racionamento aqui no condomínio. O diabo é que fui eu o único a perceber que ela estava o tempo todo lá, escondida, nos observando. Eu, a Paula e meu pai esvaziando as cestas e enchendo as prateleiras, tudo bem rápido, pra enganar minha mãe que tinha inventado esse tal racionamento, veja que situação.
Aí é que eu penso: se tem uma pessoa que tá com problemas, e vem o outro e engana... Será que tá ajudando? Não tô falando das boas intenções, quero saber se pode ser uma ajuda enganar alguém. Aquela história do médico que chega pro sujeito e fala bem calmamente: “Pode fumar, meu filho.... Manera um pouquinho, mas não precisa cortar, não...” Quando chega a dizer isso é porque tá enganando o pobre, que não tem mais cura. O pulmão já tá um caco. Um cigarrinho a mais ou a menos não vai fazer diferença. A intenção do médico foi boa, mas é mentira do mesmo jeito.
Essa dúvida já tentei tirar na vida prática. Não que eu tenha feito uns testes pra saber a resposta, mas andei perguntando para uns amigos se a mentira pode mesmo ajudar, esses amigos tinha eles na mais alta conta, sabe o que disseram?
“Cara, depois que a tua mãe ficou louca, você vem com cada história...”


DOIS

Lá em casa não se fala muito. Eu e Ester temos que tirar nossas conclusões por conta própria, às vezes no meio do maior quebra-pau. Eu não vou dizer que as coisas por aqui estão do mesmo jeito de antigamente, como diz meu pai. Esse negócio de estudar em casa, por exemplo, é meio estranho. Mas eu também acho que a mãe tá exagerando um pouco. A história que ela conta sobre as crianças que são levadas, isso eu já ouvi muita gente dizendo que foram os próprios pais que venderam elas, alguns juram que é por uma causa nobre: testar novos medicamentos que podem salvar milhares de vidas. Garantem que não há risco algum para as crianças e que, a qualquer momento, elas estarão de volta ao condomínio, sorridentes e barulhentas. Por mim, dou graças a Deus por não ter passado por isso.
Eu não tenho idade pra me lembrar de muita coisa que dizem que já existiu no condomínio; minha irmã Ester, muito menos. Não sei se é verdade isso que contam do tal profeta, aquele que organizou uma revolta ou sei lá o quê. Também não sei se é verdade que cortaram os braços, as pernas e a cabeça do pobre e penduraram por aí nos postes e nas árvores, pra servir de exemplo. Exemplo de quê? Exemplo pra quem? Tenho uns amigos que andaram vendo umas fotos, uns filmes, sei lá... Os pais pegaram e queimaram tudo, dizendo que era montagem, que não valia a pena perder tempo com mentiras. Depois perguntaram de onde é que tinha vindo aquilo. Os amigos disseram que alguém tinha deixado na porta do clube, dentro de um pacote. Ninguém mexeu achando que era uma bomba. Ligaram para os seguranças, que também não abriram, mas disseram que era bobagem a história da bomba, que eles podiam abrir sem susto, e foram embora de fininho. Aí um teve a idéia de jogar água no pacote. Parece que estragaram mais da metade do filme, ou das fotos, sei lá... O resto, os pais queimaram.

Não sei se foi sempre assim, mas todo mundo desconfia de todo mundo – não é só aqui em casa. Tem professor que não ensina porra nenhuma, que mal abre a boca na aula, mas é superbemtratado, só falta carregarem ele no colo. Um dia eu perguntei por que diabos aquilo acontecia: “O sujeito não sabe nada, não explica nada... e fica todo mundo achando que ele é o máximo.” Sabe o que me responderam? “Tem certas coisas que a gente só entende com o tempo...” Agora eu que pergunto do jeito que a minha avó falava: tem cabimento uma resposta dessas? Vai dizer que não desconfiam dele?
Ontem peguei a Paula e meu pai cochichando no jardim aqui bem na frente de casa. Quando me viram, mudaram de assunto e sorriram inocentemente. Vai dizer que não desconfiam de mim?




TRÊS
 

As coisas por aqui andam muito paradas. Suspenderam as aulas depois que começou a circular uma mensagem que chegava de manhãzinha em todas as casas, junto com os jornais do condomínio. Na verdade, de tempos em tempos aparecia uma mensagem nova. A primeira veio sob a forma de legenda de uma foto da ala oeste. Dizia mais ou menos o seguinte: “Somos todos prisioneiros, cobaias de uma experiência que estuda o comportamento de um grande número de pessoas em condições de completo isolamento.”
A segunda mensagem surgiu quando já tínhamos esquecido aquela bobagem de que algum cientista louco estava era fazendo uma experiência neste presídio gigante. Claro que ninguém acreditou na história, com exceção de alguns poucos, como a minha mãe, que mesmo assim não dizia nada, ficava só olhando os outros com uma cara de quem não confia nem na própria sombra.
Como eu ia dizendo, a segunda mensagem pegou todo mundo meio de surpresa. Veio em forma de um pequeno anúncio, no meio de tantos outros do tipo: “Procura-se um cão Dálmata” ou “Gravamos seu nome em ouro na medalha dos pioneiros”. Em letrinha miúda, lá estava o desafio: “A experiência só é válida quando ninguém acredita nela”. Isso é o que antigamente chamavam de pôr minhoca na cabeça das pessoas. A arte do boato... Dizem que o tal profeta de nome Saulo não-sei-o-quê andou fazendo umas palestras com esse tema. Era um mestre em plantar infâmias, como essa da experiência.
Por falar nisso, ontem mesmo eu tive uma conversa com a minha mãe. Ela me perguntou como iam as coisas e eu respondi: “Tudo bem...” Falei só por falar, essas respostas meio automáticas, que a gente nem pensa antes de falar. Minha mãe me olhou com tristeza e disse: “Na sua idade está sempre tudo bem, não é?” Eu disse um “talvez...” meio sem convicção, e aí ela começou a perguntar na mesma hora o que estava acontecendo comigo, se eu tinha algum problema, se precisava de alguma coisa... Nesse ponto continuava igual a todas as outras mães, não conheço uma diferente.
Pra escapar do interrogatório disse a ela que tinha que treinar para a segunda etapa dos Jogos da Rapidez, que, como todos sabem, consiste em cronometrar todas as atividades realizadas em um dia comum, somar e depois dividir pelo número total de atividades para alcançar a média. Minha mãe quis saber como eu tinha me saído no meu grupo durante a primeira parte dos jogos. Eu disse a ela que tinha ficado em décimo-sétimo lugar. Como era de se esperar, ela perguntou quantos eram no meu grupo e eu tive que responder: “Dezessete, mãe...”
Nessa hora, pela reação que ela teve foi que eu percebi que alguma coisa andava errada de verdade. Qualquer mãe ia dar a maior bronca ou, no mínimo, ia dizer que eu precisava treinar, me dedicar mais, essas coisas. Sabe o que ela fez? Morreu de rir. Depois comentou: “Entendi... Sei que foi essa a maneira que você encontrou para dizer não a tudo isso que tramam contra nós.” Balancei a cabeça e saí dali preocupado. A minha intenção não tinha sido contestar porra nenhuma. Eu fiquei foi em último mesmo, pura incompetência. Nestes Jogos só os piores passam para a segunda fase, e depois para a terceira, e a quarta...; os melhores ficam livres de cara.
Fiquei em último lugar no grupo e com certeza vou até as finais, a mais humilhante de todas as etapas, quando ficamos expostos à gozação pública e a outros castigos. Mesmo assim não tenho nada contra os Jogos. A vida é assim, dizem eles e com razão. Se você não sai na frente, te cuida porque o mundo passa por cima.

QUATRO



Júlia, uma menina nossa vizinha, recebeu um convite para ajudar na entrega da correspondência. Foi uma espécie de prêmio porque ela tinha sido a mais rápída entre todos os grupos da ala sul. Ainda não tinha conversado com ela, por isso estranhei quando ela veio perguntar sobre minha mãe, se estava melhor, se eu me dava bem com ela, essas coisas... Me fiz de desentendido, é claro. Júlia foi bem seca e objetiva: “Não seja tolo e não tenha medo de mim. Também não fique imaginando coisas... Eu quero é contar à sua mãe o que eu vejo todos os dias na expedição.”
Aí é que a coisa ficou mais esquisita ainda. Lembram daquele pedaço que eu falei sobre a desconfiança? Pois é... Como é que você pode confiar cegamente em alguém que se expõe assim logo de cara? Tá certo que ela sabia de muitas coisas, conhecia meu pai e minha mãe, se julgava inatingível porque tinha ido bem nos Jogos... Mas e daí...? Armadilha boa é aquela que você só percebe quando está com o rabo preso.
Fiquei na minha, isto é, se ela queria conversar com a minha mãe, ela que a procurasse, que mandasse um recado, uma mensagem telepática ou uma carta mesmo... Pra ela devia ser fácil, já que trabalhava na expedição da correspondência. Ficou me olhando e balançando a cabeça. Me senti mal. Quase podia ouvir seus pensamentos: “Guri babaca... Imaturo. Eu aqui dando o maior mole e ele finge que não tá nem aí...” Pensei naquela frase: “Não fique imaginando coisas”, será que era bem isso que a Júlia queria? Acho que foi um olhar que ela lançou na minha direção que detonou a minha gula. Mas não custava tentar. Em menos de meia hora minha mãe tava no circuito.

Júlia foi mais do que amistosa em seus cumprimentos. Como se não tivesse um minuto a perder, foi logo contando à dona Raquel que toda a correspondência era violada antes de ser entregue aos destinatários, mas que isso, na sua opinião, era mais uma forma de demonstrar na prática que estávamos todos presos. Minha mãe perguntou por quê, e ela respondeu olhando pro meu lado: “Fazem questão que eu veja tudo de perto. Por pouco não me chamam pra participar da fraude. Acho que o que eles querem é que eu saia por aí contando a todo mundo, tal como estou fazendo agora...”
Minha mãe retrucou: “Brilhante dedução... Mas aqui no condomínio nem sempre as coisas são o que parecem.” Depois Júlia disse que tinha mais uns troços pra falar, mas achava que era melhor esperar um pouco, deixar pra outra hora. Retesou os lábios e olhou para mim de um jeito que dizia tudo. Dona Raquel então foi brilhante: perguntou se eu não tinha nenhum dever, se não era melhor eu me preparar para a próxima etapa dos Jogos, de modo que não tive outra alternativa senão dar um “tchau” meio sem graça e me mandar dali o quanto antes. Olhei pra trás a tempo de ver Júlia me observando, com aquela carinha de culpada e um jeitinho de arrependida. Posso dizer que detesto que me façam de criança, principalmente na frente de uma menina que tem quase a minha idade, mas o olhar de Júlia me deu novas esperanças.
Vai saber o que elas conversaram... Claro que não fui ingênuo a ponto de perguntar ou jogar uns verdes. A maior burrice na vida é pensar que os outros são burros. Se eu quisesse mesmo descobrir – e isso era algo que eu tinha dúvidas – ia ter que juntar os pauzinhos lentamente, armar o quebra-cabeças devagar, sem esquecer de nenhum detalhe que uma ou outra deixasse escapar. Só não sabia se ia ter saco pra tudo isso, nem pra quê tanta trabalheira...
Eu mesmo só estou pensando em tudo isso porque minha mãe pediu. Ela acha que alguém, em algum lugar do universo, a qualquer momento, do passado ou do futuro, poderá receber nossas ondas cerebrais e responder. Ela diz que já recebeu algumas mensagens. Pode ser... mas eu é que não conto pra ninguém.
  

RAUL

UM

Meu nome é Raul, sou pai de Mateus e Ester. Às vezes tenho que ficar repetindo pra mim mesmo quem sou eu, qual é o meu nome, que papel me deram nessa história... Talvez pra me proteger, como se a qualquer momento tudo isso pudesse desaparecer da minha vida.
Além de pai, infelizmente ainda sou casado com Raquel. Digo “infelizmente” porque ela quase nos leva à loucura com essa mania de perseguição, essas teorias de que estamos presos, ilhados, sei lá mais o quê... Acho que nem tudo está normal por aqui. Nem todo mundo está feliz, em paz, com as coisas direitinhas no lugar, mas aí é que eu pergunto: em alguma época já foi assim? Alguém se lembra de ter vivido no paraíso terrestre, sem problemas ou ameaças? Daí é que vem a minha revolta. Acho que a vida ensina as pessoas; aprende quem quer. A gente é que tem que concluir se deve ou não remar a favor e é isso que devemos transmitir às crianças. Raquel não pensa dessa forma, nunca concordou comigo. Em primeiro lugar ela coloca a liberdade, a consciência, a dúvida.... essas baboseiras que não levam a nada e que não enchem a barriga de ninguém, como diziam nossos tataravós. Por falar nisso, taí um bom exemplo: Porra! Na hora que a gente consegue uma ajudazinha pra facilitar as coisas e traz pra casa um pouco mais que o normal, sabe o que ela faz? Fica questionando, espalhando pra todo mundo que tem um racionamento no condomínio, que deram a ela um cartãozinho, essas coisas que qualquer pessoa de bom senso sabe mas evita comentar. Quer dizer, nem pensar nos filhos ela pensa. É só olhar em volta e ver quantos e quantos moradores não davam a vida por uma cestinha dessas que eu trago às escondidas, só pra não despertar a inveja dos outros, é claro.
O pior de tudo são as caras que fazem pra você, como se você estivesse do lado errado, colaborando com o inimigo, traindo, prejudicando os outros, avançando no que não é seu... enfim, esses “crimes” que todo mundo já praticou um dia, só que ninguém tem coragem de confessar.
Ester e Mateus até que têm razão de se queixar. Eu sou pai deles e certamente estou falhando em alguma coisa. Posso até dar um exemplo, outro dia eu e Paula, minha prima, estávamos enchendo a despensa com aquelas “compras” extras e Mateus chegou de repente. Eu pedi que ele não contasse nada a Raquel e ele fez uma cara de quem não estava concordando nem um pouco com a situação. Não tem nada a ver, mas eu compreendo a sua atitude. Mãe é mãe, em qualquer situação a gente vai sempre dar razão a ela. Pior ainda aconteceu com Esterzinha, que pegou Paula passando a mão no meu rosto e dizendo: “Precisa de alguém pra cuidar de você.”


                                   - DOIS -

Não tenho nada com Paula, nunca tive e nem quero ter. Mas vai explicar isso a uma criança que não sabe da missa o terço. Não faz muito tempo Ester me perguntou o que existia além do condomínio. Pra falar a verdade, eu fiquei sem saber o que falar. Olhei bem dentro de seus olhinhos negros e perguntei: “Você tá com algum problema aqui no condomínio, filhinha?” Ela disse que não, é claro. Eu aproveitei para convencê-la a não se importar com o que poderia existir do lado de fora. Se ela não tinha problemas aqui dentro, pra que inventar um lá fora? Gozado que a lógica das crianças aceita certas respostas sem refutar, não estão nem um pouco interessadas em procurar o popular “chifre em cabeça de cavalo”. Agora imagine se eu estivesse dizendo essas mesmas coisas para Raquel... Pense do que ela ia me chamar.
Talvez nesse caso até com uma certa razão: as dúvidas e indagações de Ester começaram logo depois dos cortes sistemáticos de energia. Primeiro, ninguém era avisado; em seguida, passaram a avisar e cortar; finalmente, avisavam e não cortavam, ou cortavam a luz em outro horário. Durou uns três anos essa brincadeira, acho eu... Já nem me lembro mais. As estatisticas mostraram um aumento brutal da criminalidade durante os cortes à noite. Daí, instituiu-se uma espécie de toque de recolher. Foi só isso. Uma medida simples para nos proteger. Queriam impedir que a garotada andasse por aí à deriva, aumentando o número de vítimas de assaltos e outros tipos de violência.
Pra quê? Começaram a levantar mil-e-uma infâmias. O louco do Saulo e sua putinha Ifigênia saíram denunciando que  durante a madrugada capangas da administração invadiam as casas e arrastavam alguns para o lado de fora e aí fuzilavam. Enchiam a boca do sujeito com algodão e usavam silenciador nas armas. Por isso ninguém ouvia os gritos nem os tiros. Já viram que história mais fantasiosa? Deu no que deu. Saulo saiu de cena e Ifigênia anda por aí que nem uma louca, tentando aliciar mulheres tolas e insensatas – como Raquel, por exemplo.

Eu fico com pena, juro que fico com pena, de Raquel e das crianças. Sei que Mateus, por exemplo, faz tempo que está interessado nessa menina Júlia, vizinha de tantos anos. Conheço a mãe dela, uma pessoa normal, sem muitas dúvidas, uma dessas mulheres que fazem questão de expulsar as minhocas da cabeça e, como dizia o Quixote, trancar os macaquinhos no sótão. Infelizmente, parece que  Júlia puxou ao pai, um louco que entrou para uma seita mística, se alistou como voluntário para derrubar as defesas do condomínio e morreu com um tiro nas costas. Por essas e por outras é que eu me reservo o direito de nem comentar certas coisas. Podem me chamar de covarde, de acomodado, até de traidor já me chamaram. Esquecem que eu tenho as minhas influências, já salvei muita gente por aqui, sem cobrar nada.
Digo que Júlia puxou ao pai porque agora anda grudada em Raquel, ao invés de se mirar na mãe, a doce Stella Maris. Já conversei com Mateus, expliquei a ele o que estava acontecendo e perguntei o que ele achava. Fez cara de desentendido, como se não estivesse nem aí com Júlia. “Normal, vai negar até o dia do casamento”, disse eu de boca fechada. Júlia, apesar de sua pouca idade, já é uma menina madura, sabe o que quer da vida... Não é mulher para o Mateus, que ainda é tão infantil.
Para se ter uma idéia de como as pessoas são diferentes, como reagem de maneiras opostas às mesmas situações, basta lembrar que dias atrás fiquei sondando a mãe de Júlia no jardim em frente a central de expedição. Ela tinha ido esperar a filha e quando me viu disse um olá tão receptivo que eu achei melhor levantar as antenas. Ficamos por ali conversando uns minutos, tempo suficiente para ouvir uma frase que muito me agradou: “Aqueles que obedecem às regras têm de ser de alguma forma beneficiados.”  Era uma alusão ao fato de ter-me visto chegar em casa na noite anterior carregando algumas “caixas suspeitas” . Não havia maldade ou despeito em sua voz. Stella Maris achava sinceramente que eu desempenhava bem o meu papel, portanto deveria ter direito a regalias. Fiquei tão comovido que estive a ponto de oferecer a ela alguma participação, não me custava nada. Bem nessa hora, sua filha Júlia apareceu, reclamou da mãe, disse que não queria que ela aparecesse novamente em seu trabalho, lançou um risinho debochado na minha direção e partiu, levando Stella Maris como um cachorrinho bem-comportado. Nunca esqueci o jeito triste que Stella me olhou. Parecia mesmo um cachorro que se despede do amigo para obedecer ao dono.

                                TRÊS

 Ninguém pode dizer que eu sou indiferente ao que acontece por aqui. Também não podem me acusar de ser um pai ausente ou omisso. Quer uma prova? Certo dia, depois que Raquel e Júlia passaram a andar juntas e, com certeza, pensando da mesma forma, Mateus me procurou pra me perguntar o que eu achava da seguinte idéia: “Quem não gosta de se arriscar e não se atreve a remar contra a corrente, dificilmente chega a algum lugar nessa vida.”
Pra mim estava na cara que um pensamento daqueles só podia ter vindo lá das bandas de Raquel-Júlia-Ifigênia. Mateus é que não iria inventar aquilo sozinho. Não cheguei a contestar. Tive um caminho melhor, que brilhou como um farol na minha cabeça. Não respondi, fiz outra pergunta: “E você por acaso sabe onde quer chegar nessa vida que levamos aqui dentro?”
Mateus não sabia. Sabia, isso sim, que eu, sua mãe, Júlia, Ifigênia e todo o resto também não sabiam que diabo de “lugar” era aquele que alguém pode ou não alcançar. A idéia não fazia sentido. Era mais fácil convencê-lo com o raciocínio inverso: “Quem gosta de se arriscar e se atreve a remar contra a corrente, sabe direitinho pra onde está indo e que encrencas vai arrumar nessa vida.”

Com a idade, a gente aprende a descobrir quando uma pessoa desmonta. Foi o que aconteceu com Mateus. Talvez com sua irmã a história tivesse sido diferente. Ela era bem capaz de me puxar o tapete: “Se existe uma vida aqui dentro, papai, então é porque deve ter uma outra lá fora. Que vida é essa que as pessoas levam do lado de fora do condomínio?” E lá vinha a mesma lenga-lenga de sempre...

                             QUATRO

Sei que tem muita gente na vizinhança que perde seu tempo falando bobagens a meu respeito. Uns dizem que eu não faço nada no trabalho. Outros dizem que quem não faz nada é a Paula, eu até que faço “muitas coisas”, com ela ou em cima dela. Engraçado esse negócio, a Paula já transou com metade da administração, tanto com os homens quanto com as mulheres. Aí, quando chega a minha vez de comer, vira um pademônio: “Porra, o Raul tá fodendo a Paula!” Ah, tem dó...

Semana passada tirei o carro da garagem e dei uma carona para Stella Maris, a mãe de Júlia. Era uma daquelas manhãs cinzentas, com cheiro de fumaça e um friozinho cortante, como lanças de gelo que se enfiam por debaixo dos casacos. O vento empurrava a neblina por entre as árvores, não havia quase nada a enxergar além do vento. Achei que não devia deixar a vizinha a pé. Ofereci a carona, ela aceitou e assim que bateu a porta perguntou, meio sem jeito: “Acha que podem inventar alguma história?” Eu quis saber o que poderiam inventar e ela respondeu: “O mesmo que falam sobre você e sua prima.”
Engraçada a comparação. Estranho,Stella ter se colocado no lugar de Paula. Na hora dei uma desculpa qualquer, disse uma coisa sem pé nem cabeça, algo como: “Você é livre, sem compromissos, não tem porquê se importar com o que dizem  as más línguas.” Ela, evidentemente, ficou olhando para mim com aquela cara que as pessoas fazem quando não são compreendidas. Eu me recuperei a tempo de acrescentar: “Quanto a mim, também não precisa se preocupar. Raquel nunca foi ciumenta...”, disse isso e dei uma risadinha. Stella Maris também sorriu e imediatamente eu pensei que as más línguas poderiam contar alguma coisa a Paula e, aí sim, talvez eu tivesse problemas. Mesmo assim, você vê como é que são as coisas, arrumei uma tarde livre e fui ver Stella em sua casa. Não posso jurar, mas tenho quase certeza que nesse dia Júlia estava em casa, escondida no quarto com a porta entreaberta. Se for verdade, ela viu, sabe como é, eu e sua mãe, a mãe dela... Bem, aconteceu, né...

O tempo, o intervalo entre uma infâmia e outra, parece
já não ter tanta importância como tinha há alguns anos, ou décadas atrás. Tem gente que ainda se lembra que o louco e imoral profeta Saulo deixou entalhada na pedra uma mensagem em que acusava a todos que não foram capazes de comandar suas próprias vidas e que por isso mereciam ser subjugados, tutelados, confinados. Dizem que é dele o aforismo: “Quem não ama o risco, por ele será riscado.” Entendo que ele quis dizer que a liberdade pode ser um bônus ou um ônus, depende dos olhos de quem a enxerga (ou das mãos de quem a deixa escapar). Mas são pensamentos tão antigos, que nem vale a pena remoê-los, pertencem ao tempo em que o tempo contava. Talvez seja esta a principal revolta de Raquel-Ifigênia-Júlia. O tempo não importa porque estamos à espera do que irá acontecer, com ou sem o nosso consentimento. Eu volto a repetir que, para mim, é  suprema tolice pensar naquilo que não podemos mudar. É como se revoltar contra a morte ou tentar aplacar a sede com a água do mar. Basta ver que, para alguns afoitos, o tal “dia do grito” acabou se transformando no “dia do grito de dor”. Me acusam de viver com os olhos fechados? Felizmente ainda os tenho e posso abri-los para me guiar em meio a tão espesso nevoeiro.





(Não termina assim, é claro... Mas como ninguém está lendo, desisti de postar o final. Foi só um teste pra ver se um texto longo tem lugar aqui no blog, e a resposta é: ...)